O mês de Outubro se encerra e cá estou, mais uma vez
agradecida por ter desenvolvido um projeto idealizado há muito tempo. Dessa vez
tivemos patrocínio do Banco da Amazônia para a primeira edição da Mostra
Itinerante de Audiovisual – Cine Bodó. Para a façanha contei com a parceria de
produção da Keila Serruya, através da Picolé da Massa Produções, assim como a
mobilização das manas Suzana Ito, Kathlen dos Santos, Claudilene Siqueira,
Valéria Angeoles, Juliana Rosa Pesqueira e Bárbara Umbra, a mulherada no comando; os
rapazes também deixaram sua contribuição, agradeço Thiago Hermido, Marcos
Magalhães, Junior Moraes e Robert Coelho, pela disponibilidade.
O objetivo da Mostra foi percorrer quatro comunidades da
cidade, Riacho Doce, Comunidade da Sharp, Novo Aleixo e Bairro da Paz, levando
vivência de audiovisual e exibição de filmes. Nesta primeira edição, experimentação e reflexão sobre o processo foram elementos de pesquisa para um
possível aprimoramento do que pode vir a ser em outros momentos/tempos. Além de
desenvolver as atividades nas comunidades, ocupamos o Espaço de Cinema na Feira
de Livros do Sesc; neste espaço organizamos rodas de conversa com pessoas que
desenvolvem algum tipo de atividade no audiovisual manauara.
Na ocasião, foi oportuno
conversar sobre temas recorrentes à nossa área de atuação; em forma de roda, que
lembra trocas de saberes populares, destrinchamos a temática proposta em
assuntos que muitas vezes extrapolavam a esfera do audiovisual. O público
principal foram os visitantes da feira, em sua grande maioria estudantes da
rede pública de ensino. Este é apenas um registro sistemático e resumido do que
foi pautado durante as rodas de conversas, sem um intuito específico, a não ser
à meu modo, organizar informações.
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01 - Cinema, um panorama da cena Manauara. Participantes: César
Nogueira, Leonardo Mancini, Michelle Andrews, Saleyna Borges e Anderson Mendes.
Para se ter representatividade é
preciso se organizar, mas a organização necessita monitoramento, que por sua
vez demanda tempo e planejamento. A regionalização do processo de produção
possibilita incentivos mais concretos na nossa região, no entanto, os mercados
competem entre si e não pensam possibilidades de construção coletiva a partir do
desenvolvimento do nicho onde cada
um atua. Pra que produzir? É preciso identificar um por que nas ações para
saber o que fazer com o produto final; o processo de produção é importante para
cada elemento que constrói, no entanto, é o produto final que precisa ser
consumido.
É importante que as propostas
audiovisuais daqui (AM) possam estar alcançando o circuito de festivais
nacionais e internacionais; como resultado, é possível prever a ação política
da circulação: realizadores em contato com dezenas de cenas existentes no
Brasil, a produção local se solidifica e assim, podemos justificar a
importância da mobilização em relação ao fortalecimento das ações políticas.
Passados quinze anos da retomada, já é possível fazer um
panorama positivo da cena atual; se pudéssemos definir um nome para o momento seria
aquilo que chamamos de impulso para
o movimento; no audiovisual, esse impulso se dá com o colaborativismo, empreendedorismo e com uma delicada atenção para
com o público. Para o futuro é possível visualizar políticas públicas
solidificadas, a nova geração tecnológica utilizando de modo mais intenso dos
efeitos especiais, e por fim, visualizamos a extinção do coitadismo tão presente nos discursos atuais.
“Eu, na minha categoria de artista, não posso me dar o luxo ao
pessimismo”, César Nogueira.
02 - Políticas públicas, um caminho para o audiovisual. Participantes:
Paulo César Freire e Luiz Carlos Martins.
O fato de Manaus não ter uma Lei
de Incentivo Estadual ou Municipal, diz muito da mobilização da classe e do modo
como as pessoas inseridas no mercado
se movimentam. Já é possível gerar renda direta da produção audiovisual, mas
não existe um fluxo contínuo, não existe uma produção em escala. Na publicidade
sim, mas onde fica o Cinema? Existem profissionais para suprir essa possível
demanda, o que falta é a organização de base, um encontro eficaz com o público
e com as redes de financiamento.
Existem muitos desencontros, que
por sua vez geram desarticulação em uma cena que ainda está engatinhando. Um
diagnóstico sólido se faz necessário, pois a partir daí será possível entender
de que modo os organismos pensam seu papel de protagonistas na construção e
efetivação da política voltada para o audiovisual.
A indústria cultural tem grande
participação no retrocesso, pois é preciso entender as dinâmicas regionais, de
modo que possamos aceitar quem somos, o que fomos e o que podemos vir a ser.
Onde o cidadão K pode ter acesso
ao acervo audiovisual que vem sendo produzido? Como organizar uma distribuição
minimamente eficaz? É preciso se organizar agora, não podemos esperar passar
mais quinze anos, o futuro é agora.
“A política é um produto, paguei vou levar; as pessoas votam e esperam
que tudo dê certo”, Luiz Carlos Martins.
03 - Processos da Produção Audiovisual Autoral. Participantes: Jorge
Kellaris, Débora Ykamura, Bárbara Umbra e Suzana Ito.
Cinema autoral e suas referências
históricas; para ser autoral é preciso ser persistente no que se quer de fato. Autoral
exige um diretor frio, calculista e engenheiro. Mas antes disso, exige um
roteiro envolvente.
Disse Ruy Guerra: “O diretor tem
que se preocupar com duas coisas no cinema, com o enquadramento da câmera e com
os atores; se ele não fizer isso, pode ir se embalar em uma rede e deixar o Set
andar sozinho”. Citando ainda Ruy Guerra, “Pra fazer Cinema só precisa ter uma
coisa, saúde”.
É preciso ter uma gama de
profissionais na cena local; com profissionais
é possível se construir coisas novas, propostas diferentes; a construção requer
união, mas se os seres se vêem como concorrentes, fica difícil.
A arte é universal, o povo é
massa, o cidadão precisa ser ativo, somos poucos; de pouco em pouco a criança
cresce, é preciso se envolver de modo emocional pra ser sincero. A repetição
cria a estética de cada um.
“Difícil é envolver a equipe técnica de modo emocional no processo”, Débora
Ykamura.
04 - Cineclube desafios e possibilidades. Participantes: Tom Zé, Carla
Conorí e Darlan Guedes.
A premissa de um cineclube é o
debate; onde tem cineclube tem diálogo, onde tem conversa tem realizadores...
ou pessoas que querem realizar. Os desafios permeiam a compreensão do Cineclube
como espaço político formador, a conquista de adeptos e o controle dos direitos
autorais.
As possibilidades que contrapõe
os desafios permeiam a itinerância,
disseminação das atividades e a repercussão das temáticas propostas nos filmes
escolhidos para debater. O Cineclube pode ser uma ferramenta de mudança social,
a exemplo disso temos ações além-exibição, onde pessoas da própria comunidade
se vêem como protagonistas e declaram “Ação”.
A representatividade do Cineclube
Nacional é organizada e trabalha de modo eficaz, o que falta é formar pontos de exibição de modo
micro, para a engrenagem não parar de funcionar. A facilidade de produção dos
tempos atuais, possibilita uma gama de experimentação que a longo prazo, pode
resultar na construção de uma linguagem inovadora, mas para se ter densidade é
preciso ter conteúdo.
“Para desenvolver alguma relação com o Cineclube, é preciso ser tarado
em Cinema”, Tom Zé.
05 - Amazônia e os seres audiovisuais. Participantes: Gustavo Soranz,
Marcos Tupinambá, Liliane Maia e Bruno Villela.
O mito da Origem da Amazônia se
perpetua na construção audiovisual que passa por aqui, nesse sentido somos
prioritariamente locação. Sendo somente palco, quem atua de modo direto dentro
da narrativa vem de fora, nos tornamos mão de obra braçal.
A negação da origem indígena
causa uma repulsa pelo que trás à tona essa realidade; temos assim uma história
esquecida e massacrada, onde os seres da cidade exorcizam o indígena. A
mitologia indígena é um poço infindável de narrativas inovadoras, assim como o
antiquário da realidade urbana.
Em comparação ao Rio de Janeiro,
estamos na frente em termos de quantidade
de produtos audiovisuais realizados, no entanto, o aperfeiçoamento estético requer
investimento; aos poucos esse quadro está mudando, devido o estímulo à formação
técnica, que requer tempo e articulação com o poder público.
A extensão amazônica
impossibilita um monitoramente eficaz, mas já é possível avaliar os últimos
anos de produção e identificar elementos de desenvolvimento positivo. Muitos
estão produzindo, é precisamos identificar o modo de fazer particular de cada
nicho, a partir daí será possível pensar formação e construção estética, que se
desenvolverá na efetivação de ações do poder público.
Não podemos prosseguir a conversa
sem citar o poder público; por exemplo, ninguém entende porque não se consegue
uma articulação que envolva uma lei do audiovisual. Fica a indagação.
Pelo fato da retomada da produção
audiovisual local ter sido re-estabelecida como Hobby, é mais dificultoso
entender a importância do profissionalizar e o do monitoramento do arranjo
produtivo.
Sobre os seres audiovisuais que
aparecem na Amazônia, podemos pensar que aqui é um lugar onde as pessoas vem e
vão, um lugar de visita. Existe uma exploração visual, onde as pessoas deixam
de ser cientistas e vão ser cineastas.
Está na hora de elaborarmos uma
espécie de manifesto, não como orientação do processo, mas como afirmação dele,
por aqueles que decidem percorrê-lo e que de algum modo se identificam. Hoje nós temos um cinema ilustrativo, mas que
tem ferramentas e recursos para qualificar
a produção; estamos em um momento de mudança e caminhamos para um cenário mais
positivo.
“Os seres audiovisuais precisam ser paridos”, Liliane Maia.
06 - Construção de narrativas audiovisuais. Participantes: Zeudi Souza,
Omar Oliveira, Felipe Aufiero, Diego Bauer e Vânia Blois.
É necessário identificar o seu
público, para assim desenvolver uma proposta que possa suprir a necessidade de
quem assiste. Uma narrativa densa leva, guia, mostra um caminho que enquanto é
apresentado é, também, construído à medida que o expectador interpreta os
signos colocados na tela.
Mas pra onde uma não-narrativa te
leva?
É preciso saber que tipo de
emoção você quer causar no expectador, sem esquecer que ele está sujeito a
infinitas variáveis que podem interferir na proposta de degustação de um
filme... Nisso, a narrativa sendo firme no seu propósito, certamente prende o
cidadão do início ao fim.
Se o filme existe a partir da
ótica do outro, não é interessante ser previsível. Mas não é por isso que você
vai vomitar qualquer coisa de modo aleatório e vai esperar que o expectador
tenha uma fácil compreensão. É preciso causar sensações.
O autor não pode ser preguiçoso,
o nosso cotidiano por si só tem inúmeras camadas, porque um filme não teria?
Uma cena com um personagem em um quarto, que se resume em um único plano, pode
ter dezenas de camadas, imagine narrativas mais amplas. A construção de
narrativas nada mais é que um exercício, uma forma de arrumar a bagagem para
você poder viajar pra qualquer lugar. Pensando cinema, envolve comprometimento
com o público; os Cineastas devem sobreviver
do Cinema? Se a resposta for positiva, é preciso pensar no escoamento do
produto final e de que modo ele retornará para o realizador.
“A barriga fala”, Vânia Blois.
07 - Mulheres e a Sétima Arte. Participantes: Keila Serruya e Fávia
Abtibol.
A mulher sempre foi mulher em
qualquer esfera; o que muda são as posturas adotadas pelas machistas e pelas
livres. Desde os primórdios, as mulheres são mais enraizadas como processo; o
homem é caçador e tem que pensar sobre a relação dos dois em um contexto
social. As diferenças existem e precisam ser respeitadas, de modo que a
autenticidade de cada um seja sincera; não somos seres monocromáticos.
Quando não sabemos como resolver
determinadas questões é hora de conversar; a sororidade deveria ser pauta principal quando se fala em conversa
entre mulheres e questão de gênero.
Hoje podemos nos organizar,
dominar os processos burocráticos e nos utilizarmos das ferramentas disponíveis
para caminhar; às vezes o processo é lento, mas é preciso ser firme; o resto é
questão de tempo. Não precisamos de divulgação e sim de planejamento e ações
pontuais.
“Se você tem possibilidade de
mudar, mude agora”, Flávia Abtibol.
08 - Caminhos da interpretação no cinema. Participantes: Vanessa
Pimentel e Paulo Queiroz.
O ator é delicado, é preciso ter
cuidado; de todo modo, ator é ator em qualquer veículo. Um ator que passou pelo
processo de construção, não vai rejeitar um estudo, um laboratório para
construir os processos de determinado personagem.
Se o diretor não tem intimidade
com o ator, pelo menos ele precisa ter técnicas
de preparação. Aliás é um corpo no cinema, precisa de motivação. Ator não tem
limite, mas tem um tempo.
O mercado é formador, os que
estão envolvidos nele estão em processo de formação também, todos somos alunos
e as pessoas são diferentes, aprendem de modo diferente também. Ninguém pode se
dizer o dono da verdade, as afirmações são possibilidades de interpretação.
“Interpretar é uma dança,
dirigir é uma regência; tem que saber conduzir”, Paulo Queiroz.
09 - Alicerce intuitivo e o referencial teórico. Participantes: Adriano
Furtado e Susy Freitas.
A intuição antes de tudo está do
lado irracional, deste modo ela pode facilmente nos enganar por trás da máscara
do sublime ou especial. Intuição é senso comum, dá uma ideia superficial das
propostas; ela sem conceito é cega. Na hora de colocar a intuição em prática, é
preciso ter referencial teórico. O que dá sentido a intuição é a teoria que
cada um adquiriu, mas ainda assim, ela só é real se for prática.
A teoria ajuda a executar as
propostas com perfeição, dispõe da capacidade de dialogar, disponibiliza um
chão onde pisar na realidade; sem teoria a ideia fica vaga. Nada impede que um
grande teórico se utilize da intuição para prosseguir no caminhar investigativo,
o contrário não acontece. Alguns tem medo da teoria por ela ser libertadora; a
teoria é consistente, de modo que conduz o pesquisador a qualquer lugar e não o
abandona, diferente da intuição.
“As teorias não conseguem ser completas e coerentes sem o uso da
intuição”, Adriano Furtado.