sábado, 31 de outubro de 2015

A experiência Cine Bodó. Vivência, Mostra e Roda de Conversa.


O mês de Outubro se encerra e cá estou, mais uma vez agradecida por ter desenvolvido um projeto idealizado há muito tempo. Dessa vez tivemos patrocínio do Banco da Amazônia para a primeira edição da Mostra Itinerante de Audiovisual – Cine Bodó. Para a façanha contei com a parceria de produção da Keila Serruya, através da Picolé da Massa Produções, assim como a mobilização das manas Suzana Ito, Kathlen dos Santos, Claudilene Siqueira, Valéria Angeoles, Juliana Rosa Pesqueira e Bárbara Umbra, a mulherada no comando; os rapazes também deixaram sua contribuição, agradeço Thiago Hermido, Marcos Magalhães, Junior Moraes e Robert Coelho, pela disponibilidade.

O objetivo da Mostra foi percorrer quatro comunidades da cidade, Riacho Doce, Comunidade da Sharp, Novo Aleixo e Bairro da Paz, levando vivência de audiovisual e exibição de filmes. Nesta primeira edição, experimentação e reflexão sobre o processo foram elementos de pesquisa para um possível aprimoramento do que pode vir a ser em outros momentos/tempos. Além de desenvolver as atividades nas comunidades, ocupamos o Espaço de Cinema na Feira de Livros do Sesc; neste espaço organizamos rodas de conversa com pessoas que desenvolvem algum tipo de atividade no audiovisual manauara.

Na ocasião, foi oportuno conversar sobre temas recorrentes à nossa área de atuação; em forma de roda, que lembra trocas de saberes populares, destrinchamos a temática proposta em assuntos que muitas vezes extrapolavam a esfera do audiovisual. O público principal foram os visitantes da feira, em sua grande maioria estudantes da rede pública de ensino. Este é apenas um registro sistemático e resumido do que foi pautado durante as rodas de conversas, sem um intuito específico, a não ser à meu modo, organizar informações.

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01 - Cinema, um panorama da cena Manauara. Participantes: César Nogueira, Leonardo Mancini, Michelle Andrews, Saleyna Borges e Anderson Mendes.

Para se ter representatividade é preciso se organizar, mas a organização necessita monitoramento, que por sua vez demanda tempo e planejamento. A regionalização do processo de produção possibilita incentivos mais concretos na nossa região, no entanto, os mercados competem entre si e não pensam possibilidades de construção coletiva a partir do desenvolvimento do nicho onde cada um atua. Pra que produzir? É preciso identificar um por que nas ações para saber o que fazer com o produto final; o processo de produção é importante para cada elemento que constrói, no entanto, é o produto final que precisa ser consumido.
É importante que as propostas audiovisuais daqui (AM) possam estar alcançando o circuito de festivais nacionais e internacionais; como resultado, é possível prever a ação política da circulação: realizadores em contato com dezenas de cenas existentes no Brasil, a produção local se solidifica e assim, podemos justificar a importância da mobilização em relação ao fortalecimento das ações políticas.
Passados quinze anos da retomada, já é possível fazer um panorama positivo da cena atual; se pudéssemos definir um nome para o momento seria aquilo que chamamos de impulso para o movimento; no audiovisual, esse impulso se dá com o colaborativismo, empreendedorismo e com uma delicada atenção para com o público. Para o futuro é possível visualizar políticas públicas solidificadas, a nova geração tecnológica utilizando de modo mais intenso dos efeitos especiais, e por fim, visualizamos a extinção do coitadismo tão presente nos discursos atuais.

“Eu, na minha categoria de artista, não posso me dar o luxo ao pessimismo”, César Nogueira.

02 - Políticas públicas, um caminho para o audiovisual. Participantes: Paulo César Freire e Luiz Carlos Martins.

O fato de Manaus não ter uma Lei de Incentivo Estadual ou Municipal, diz muito da mobilização da classe e do modo como as pessoas inseridas no mercado se movimentam. Já é possível gerar renda direta da produção audiovisual, mas não existe um fluxo contínuo, não existe uma produção em escala. Na publicidade sim, mas onde fica o Cinema? Existem profissionais para suprir essa possível demanda, o que falta é a organização de base, um encontro eficaz com o público e com as redes de financiamento.
Existem muitos desencontros, que por sua vez geram desarticulação em uma cena que ainda está engatinhando. Um diagnóstico sólido se faz necessário, pois a partir daí será possível entender de que modo os organismos pensam seu papel de protagonistas na construção e efetivação da política voltada para o audiovisual.
A indústria cultural tem grande participação no retrocesso, pois é preciso entender as dinâmicas regionais, de modo que possamos aceitar quem somos, o que fomos e o que podemos vir a ser.
Onde o cidadão K pode ter acesso ao acervo audiovisual que vem sendo produzido? Como organizar uma distribuição minimamente eficaz? É preciso se organizar agora, não podemos esperar passar mais quinze anos, o futuro é agora.

“A política é um produto, paguei vou levar; as pessoas votam e esperam que tudo dê certo”, Luiz Carlos Martins.

03 - Processos da Produção Audiovisual Autoral. Participantes: Jorge Kellaris, Débora Ykamura, Bárbara Umbra e Suzana Ito.

Cinema autoral e suas referências históricas; para ser autoral é preciso ser persistente no que se quer de fato. Autoral exige um diretor frio, calculista e engenheiro. Mas antes disso, exige um roteiro envolvente.
Disse Ruy Guerra: “O diretor tem que se preocupar com duas coisas no cinema, com o enquadramento da câmera e com os atores; se ele não fizer isso, pode ir se embalar em uma rede e deixar o Set andar sozinho”. Citando ainda Ruy Guerra, “Pra fazer Cinema só precisa ter uma coisa, saúde”.
É preciso ter uma gama de profissionais na cena local; com profissionais é possível se construir coisas novas, propostas diferentes; a construção requer união, mas se os seres se vêem como concorrentes, fica difícil.
A arte é universal, o povo é massa, o cidadão precisa ser ativo, somos poucos; de pouco em pouco a criança cresce, é preciso se envolver de modo emocional pra ser sincero. A repetição cria a estética de cada um.

“Difícil é envolver a equipe técnica de modo emocional no processo”, Débora Ykamura.

04 - Cineclube desafios e possibilidades. Participantes: Tom Zé, Carla Conorí e Darlan Guedes.

A premissa de um cineclube é o debate; onde tem cineclube tem diálogo, onde tem conversa tem realizadores... ou pessoas que querem realizar. Os desafios permeiam a compreensão do Cineclube como espaço político formador, a conquista de adeptos e o controle dos direitos autorais.
As possibilidades que contrapõe os desafios permeiam a itinerância, disseminação das atividades e a repercussão das temáticas propostas nos filmes escolhidos para debater. O Cineclube pode ser uma ferramenta de mudança social, a exemplo disso temos ações além-exibição, onde pessoas da própria comunidade se vêem como protagonistas e declaram “Ação”.
A representatividade do Cineclube Nacional é organizada e trabalha de modo eficaz, o que falta é formar pontos de exibição de modo micro, para a engrenagem não parar de funcionar. A facilidade de produção dos tempos atuais, possibilita uma gama de experimentação que a longo prazo, pode resultar na construção de uma linguagem inovadora, mas para se ter densidade é preciso ter conteúdo.

“Para desenvolver alguma relação com o Cineclube, é preciso ser tarado em Cinema”, Tom Zé.

05 - Amazônia e os seres audiovisuais. Participantes: Gustavo Soranz, Marcos Tupinambá, Liliane Maia e Bruno Villela.

O mito da Origem da Amazônia se perpetua na construção audiovisual que passa por aqui, nesse sentido somos prioritariamente locação. Sendo somente palco, quem atua de modo direto dentro da narrativa vem de fora, nos tornamos mão de obra braçal.
A negação da origem indígena causa uma repulsa pelo que trás à tona essa realidade; temos assim uma história esquecida e massacrada, onde os seres da cidade exorcizam o indígena. A mitologia indígena é um poço infindável de narrativas inovadoras, assim como o antiquário da realidade urbana.
Em comparação ao Rio de Janeiro, estamos na frente em termos de quantidade de produtos audiovisuais realizados, no entanto, o aperfeiçoamento estético requer investimento; aos poucos esse quadro está mudando, devido o estímulo à formação técnica, que requer tempo e articulação com o poder público.
A extensão amazônica impossibilita um monitoramente eficaz, mas já é possível avaliar os últimos anos de produção e identificar elementos de desenvolvimento positivo. Muitos estão produzindo, é precisamos identificar o modo de fazer particular de cada nicho, a partir daí será possível pensar formação e construção estética, que se desenvolverá na efetivação de ações do poder público.
Não podemos prosseguir a conversa sem citar o poder público; por exemplo, ninguém entende porque não se consegue uma articulação que envolva uma lei do audiovisual. Fica a indagação.
Pelo fato da retomada da produção audiovisual local ter sido re-estabelecida como Hobby, é mais dificultoso entender a importância do profissionalizar e o do monitoramento do arranjo produtivo.
Sobre os seres audiovisuais que aparecem na Amazônia, podemos pensar que aqui é um lugar onde as pessoas vem e vão, um lugar de visita. Existe uma exploração visual, onde as pessoas deixam de ser cientistas e vão ser cineastas.
Está na hora de elaborarmos uma espécie de manifesto, não como orientação do processo, mas como afirmação dele, por aqueles que decidem percorrê-lo e que de algum modo se identificam.  Hoje nós temos um cinema ilustrativo, mas que tem ferramentas e recursos para qualificar a produção; estamos em um momento de mudança e caminhamos para um cenário mais positivo.

“Os seres audiovisuais precisam ser paridos”, Liliane Maia.

06 - Construção de narrativas audiovisuais. Participantes: Zeudi Souza, Omar Oliveira, Felipe Aufiero, Diego Bauer e Vânia Blois.

É necessário identificar o seu público, para assim desenvolver uma proposta que possa suprir a necessidade de quem assiste. Uma narrativa densa leva, guia, mostra um caminho que enquanto é apresentado é, também, construído à medida que o expectador interpreta os signos colocados na tela.
Mas pra onde uma não-narrativa te leva?
É preciso saber que tipo de emoção você quer causar no expectador, sem esquecer que ele está sujeito a infinitas variáveis que podem interferir na proposta de degustação de um filme... Nisso, a narrativa sendo firme no seu propósito, certamente prende o cidadão do início ao fim.
Se o filme existe a partir da ótica do outro, não é interessante ser previsível. Mas não é por isso que você vai vomitar qualquer coisa de modo aleatório e vai esperar que o expectador tenha uma fácil compreensão. É preciso causar sensações.
O autor não pode ser preguiçoso, o nosso cotidiano por si só tem inúmeras camadas, porque um filme não teria? Uma cena com um personagem em um quarto, que se resume em um único plano, pode ter dezenas de camadas, imagine narrativas mais amplas. A construção de narrativas nada mais é que um exercício, uma forma de arrumar a bagagem para você poder viajar pra qualquer lugar. Pensando cinema, envolve comprometimento com o público; os Cineastas devem sobreviver do Cinema? Se a resposta for positiva, é preciso pensar no escoamento do produto final e de que modo ele retornará para o realizador.

“A barriga fala”, Vânia Blois.

07 - Mulheres e a Sétima Arte. Participantes: Keila Serruya e Fávia Abtibol.

A mulher sempre foi mulher em qualquer esfera; o que muda são as posturas adotadas pelas machistas e pelas livres. Desde os primórdios, as mulheres são mais enraizadas como processo; o homem é caçador e tem que pensar sobre a relação dos dois em um contexto social. As diferenças existem e precisam ser respeitadas, de modo que a autenticidade de cada um seja sincera; não somos seres monocromáticos.
Quando não sabemos como resolver determinadas questões é hora de conversar; a sororidade deveria ser pauta principal quando se fala em conversa entre mulheres e questão de gênero.
Hoje podemos nos organizar, dominar os processos burocráticos e nos utilizarmos das ferramentas disponíveis para caminhar; às vezes o processo é lento, mas é preciso ser firme; o resto é questão de tempo. Não precisamos de divulgação e sim de planejamento e ações pontuais.

“Se você tem possibilidade de mudar, mude agora”, Flávia Abtibol.

08 - Caminhos da interpretação no cinema. Participantes: Vanessa Pimentel e Paulo Queiroz.

O ator é delicado, é preciso ter cuidado; de todo modo, ator é ator em qualquer veículo. Um ator que passou pelo processo de construção, não vai rejeitar um estudo, um laboratório para construir os processos de determinado personagem.
Se o diretor não tem intimidade com o ator, pelo menos ele precisa ter técnicas de preparação. Aliás é um corpo no cinema, precisa de motivação. Ator não tem limite, mas tem um tempo.
O mercado é formador, os que estão envolvidos nele estão em processo de formação também, todos somos alunos e as pessoas são diferentes, aprendem de modo diferente também. Ninguém pode se dizer o dono da verdade, as afirmações são possibilidades de interpretação.

“Interpretar é uma dança, dirigir é uma regência; tem que saber conduzir”, Paulo Queiroz.

09 - Alicerce intuitivo e o referencial teórico. Participantes: Adriano Furtado e Susy Freitas.

A intuição antes de tudo está do lado irracional, deste modo ela pode facilmente nos enganar por trás da máscara do sublime ou especial. Intuição é senso comum, dá uma ideia superficial das propostas; ela sem conceito é cega. Na hora de colocar a intuição em prática, é preciso ter referencial teórico. O que dá sentido a intuição é a teoria que cada um adquiriu, mas ainda assim, ela só é real se for prática.
A teoria ajuda a executar as propostas com perfeição, dispõe da capacidade de dialogar, disponibiliza um chão onde pisar na realidade; sem teoria a ideia fica vaga. Nada impede que um grande teórico se utilize da intuição para prosseguir no caminhar investigativo, o contrário não acontece. Alguns tem medo da teoria por ela ser libertadora; a teoria é consistente, de modo que conduz o pesquisador a qualquer lugar e não o abandona, diferente da intuição.


“As teorias não conseguem ser completas e coerentes sem o uso da intuição”, Adriano Furtado.


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