Pois bem, faz um tempo que não me arrisco nas palavras aqui pelo céu das "Nuvens de Praia"; na realidade havia decidido escrever somente nos anos ímpares, nem lembro o motivo exato, o fato é que existem exceções, como quase tudo na vida. Pra início de conversa, já estou a caminho do terceiro período do curso interdisciplinar de sociais na Universidade do Recôncavo da Bahia (UFRB)! Até que estou gostando disso aqui: lugar quentinho, caminhos sinceros, leituras esporádicas porém enfáticas, encontros bonitos, trocas com afeto e carinho... é tudo o que se espera em um novo território! Daí a liberdade é tanta que dá vontade de convidar os queridos e realizar coisas ~
Mas o intuito das primeiras palavras de 2018, tal qual sugere o título é refletir acerca de um encontro que conseguimos otimizar no último dia 21 de Julho, no espaço do Iphan, ali pelas bandas da Praça da Aclamação, Cachoeira, Recôncavo Baiano. O objetivo do encontro era convidar amigos/conhecidos negros e indígenas que pudessem apresentar suas artes... Pura e simplesmente, um espaço de projeção, conexão, ponte para encontros ou outras possibilidades.
Pra ser sincera a narrativa começa um pouco antes, durante o encontro "Racismo e anti-racismo no Brasil: O caso dos Povos Indígenas", realizado em meados de Maio, na própria UFRB; na ocasião presenciamos muitas trocas, muitas falas, muitas narrativas e acima de tudo, muitas energias. Quando falo de "energia" por conta própria, estou falando de aspectos inerentes à percepção.
Pois bem, neste contexto algumas lâmpadas surgem em sua mente, eis a dinâmica da mágica que deve ocorrer no processo de formação. Tipo Eureca, mas nem tanto... a importância se dá de acordo com o rastro que reverbera nas construções visualizadas. Desta forma, ao decorrer do encontro organizado pelo Coletivo de Estudantes Indígenas, algumas questões se fizeram interrogações existenciais. Entre elas, a necessidade de entender o seu lugar no mundo, quando falo de "lugar", não quero contrapor nenhuma teoria; temos lido, apreendido que as teias sociais, o fato, o habitus e tudo o mais, nos direcionam à uma realidade.
Mas e quando você percebe que seus vinteoito anos de existência podem ser resumidos em uma falta, que geralmente é preenchida nos encontros de pé no chão, comidas degustadas com a mão, ou ainda no mergulho em um igarapé, no encontro apertado de um abraço, nos olhos fechados que guiam a percepção através do vento forte... É passível de compreensão? Voltemos!
Após tal encontro, me interroguei se eu poderia me autodeclarar "Afroindígena", ou não? Existe credibilidade no sentir-se? Tal qual o autor da intuição que referencia seus textos acadêmicos, dando crédito ao seu inconsciente? Ou é indispensável encontrar pelo menos três autores que possam dar credibilidade à sua fala? Ok, por vezes a academia é um caminho sem volta, ou você aceita as regras ou cai fora. Daí a ideia do Sarau... algo mais livre, que teria a arte como fio condutor; o assunto da vez? Ser Afroindígena! Do pouco que ouvi, li e senti, ter a terra, a oralidade e a ancestralidade como referência para as ações e os caminhos, sejam coletivos ou individuais.
Mas a academia tem uma coisa com as palavras. Cada palavra foi percebida, elaborada, destrinchada, mastigada, vomitada, ada ada por alguém; se você não conhece o "alguém" a palavra perde a força, a vitalidade, além do mais, tudo é referência. Não existe nada novo. Então, antes de pensar ou cogitar estudar de fato o termo "afroindígena", que tal observar através da arte, das representações simbólicas possibilitadas pela apreciação estética e sensorial, os fios de ligação entre uma performance e outra?
Assim, ora pois... pensando Ser ou não Ser, convidei seres enigmáticos e sinceros para compartilharem de um momento agradável, com performances planejadas ou inesperadas! Articulamos apoio de um grupo significativo (indicações ao fim do texto) e parece que a coisa fluiu naturalmente. Tenho a sensação que as pessoas que estiveram presente, gostaram... Impressão, mas particularmente eu amei... Só faltou umas bebidinhas e opções de comidinhas temáticas. Abaixo alguns cliques do público presente, registro do nosso querido Givas Santiago.
Não poderia deixar de citar um elemento condutor na vontade de mobilizar o Sarau. Ao decidir vir estudar na Bahia, pensei em passar os quatro anos inteiros pelas bandas daqui; começar do zero, sobreviver do que a terra me desse ou do que o mangueio possibilitasse; tem sido assim nos últimos dez meses, não posso reclamar da mãe chamada Bahia!
Mas a academia tem uma coisa com as palavras. Cada palavra foi percebida, elaborada, destrinchada, mastigada, vomitada, ada ada por alguém; se você não conhece o "alguém" a palavra perde a força, a vitalidade, além do mais, tudo é referência. Não existe nada novo. Então, antes de pensar ou cogitar estudar de fato o termo "afroindígena", que tal observar através da arte, das representações simbólicas possibilitadas pela apreciação estética e sensorial, os fios de ligação entre uma performance e outra?
Mas após o evento citado no início, ao me indagar se eu realmente poderia me autodeclarar Afroindígena (sem referencia teórica) parei pra pensar nas experiências, nas sensações e nos mergulhos que a Amazônia me possibilitou nas últimas décadas. Lembrei das longas caminhadas mata adentro, dos sons ao amanhecer às margens do Acurau, das conversas com Márcia Mura na varanda ventilada em noite de lua cheia; cheia de saudade lembro da silenciosa comunidade de Nazaré, no Baixo Madeira, ou ainda da Aldeia Cipiá do Rio Negro, Inhã-Beé do Tarumã-Açú, espaços que me possibilitaram as primeiras reflexões acerca da terra, do ser indígena e das vivências que nos foram negadas, há séculos!
Lembrei de Vó Juliana... Senti vergonha. Vó Juliana é Kokama, da fronteira do Brasil com o Perú, mas desde que chegou em Coari, esqueceu seu passado e nunca ninguém se interessou em resgatá-lo, nem eu. Talvez pela distância, pela falta de relação, por crescer longe dos avós, eu não tenha dado a devida atenção que ela merecia. Enfim, o foco desta publicação é falar do Sarau e não das faltas existenciais que permeiam a afirmação do que se é e de onde se vem... Tão fundamentais para saber pra onde se vai!
Querendo encontrá-la, articular uma troca que nunca protagonizei, decidi organizar a "Rifa do Porvir"; o objetivo era levantar o valor da passagem de ida e volta pra Manaus, que por sinal ainda falta! Daí a coisa toda acontece, consegui amigos para me ajudarem a vender a rifa, outros pra articular o Sarau e tudo fluiu... Existe uma necessidade de recomposição do que julgo ser a raiz da aflição acerca do que se é, não tenho muito domínio ou controle das palavras, mas sempre esperamos ser compreendidos. Enfim.
A produção do Sarau contou com a articulação e o precioso tempo de Maria Eduarda, Iraiza Souza, Thiane Neves, Givas Santiago, Keila Serruya na correria de frente; os colegas Vlad Khromenko, Martha Silva, Marcio Luis, Lady Klebia, Robert, Deja, sr. Zé do Boi e tantos outros, possibilitaram o meio de campo.
O Sarau foi realizado no espaço cedido pelo Iphan, contou com o apoio institucional da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB); além do apoio do Laboratório de Estudos em Ciências Sociais (Labecs), Acidadã, Recongraf, Imprima Black, Hansen Bahia, WS Sonorização, Coletivo de Estudantes Indígenas da UFRB e da UFBA, Secretaria de Cultura e Turismo de Cachoeira e a Pousada e Restaurante Pai Thomaz.
Além das performances citadas na página do evento, contamos com a intervenção de poetas e músicos no momento "Palco Aberto", entre eles Grupo de Dança de Rua EX13, Poeta Bode, Tia Nalva e por aí foi ~ Não existe planos para um segundo encontro. Ademais, eu e toda a equipe envolvida na articulação do encontro, agradecemos a comunidade Cachoeirana pelo apoio institucional e pela presença, que por sinal nos surpreendeu.
Para a "Rifa do Porvir", contamos com o Apoio da Casa Gottschal, Estudantes da turma 2017/2 de Ciências Sociais, Lacpan, F&Cell Vaccarezza, Mr. Shake, Fernanda Mathieu, Licor Roque Pinto e Brechó Quita Bonita. Francisco Neto, Uarle Carvalho, Iraiza Souza, Martha Silva, Ana Paula, Sr. Raimundo Sapateiro, agradeço o empenho de vocês na venda das Rifas, Gracias!
Ademais, a discussão acerca do que representa o termo "Afroindígena" é semente em terra fértil da ancestralidade, percurso marcado por violências e negações. Aceito indicações de leituras, filmes e poesias à respeito. A investigação está apenas começando.
Cordialmente,
Dheik
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Dheik
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